Acordei com o primeiro raio de sol. Max e Ryan ainda dormiam e, depois de comer um pouco do que restara do Coelho Ralado da noite passada, sai da caverna para andar um pouco e explorar o lugar.
Descobri que a caverna de Morlogol ficava há uns dois quilômetros de onde estávamos. Espiei por algum tempo o lugar, invisível, e me espantei com a quantidade de guardas. Não tentei entrar, pois já era tarde e eu tinha que voltar.
Eu já saíra de lá, e voltara a ser visível novamente quando ouvi um grito. Atenta, voltei furtivamente para o lugar e o que vi me deixou com raiva.
Um dos guardas, um monstro de três metros de altura, enforcava o que parecia ser um coelho, mas do tamanho de um cachorro - acho que era essa espécie que Ryan vinha procurando. Ver o pobre animal sendo quase morto pelo soldado fez uma bola de poder me cercar. Senti meus olhos escurecendo e a raiva tomando conta de mim. Dei um passo à frente, me preparando para mata-lo, mas parei quando me lembrei do que Ryan me ensinara. Fazer coisas quando você está dominado pela raiva só fará com que você se arrependa depois. Respire fundo e se acalme, ouça a voz da razão. Então pense, e depois aja.
Fiz exatamente o que ele disse e, depois de pensar um pouco, lancei um raio-bumerangue. Eu aprendera na Magia High School, e ele era muito útil. Silencioso, era um raio em forma de bumerangue, e dava um choque bem forte. Ele fazia uma volta, de modo que o inimigo pensaria que ele veio do lado oposto ao que você está.
Quando acertou o guarda, ele gritou, e o coelho caiu no chão. O monstro pareceu esquecê-lo e começou a andar em direção de onde pensava ter vindo meu ataque, ou seja, para o lado contrário ao que eu me escondia. Aproveitei a deixa e, usando o feitiço de supervelocidade que eu havia aprendido, peguei o coelho e voltei para onde eu estava escondida. Ele era pesado, e meus braços ficaram doendo. Assustado, ele saiu correndo para longe de mim e do guarda. Sorri e, ao ver o guarda tentando me achar, achei melhor ir também, pois daqui a pouco Max e Ryan sairiam para me procurar.
Voltei, e não fiquei surpresa quando os dois começaram a me encher com perguntas sobre onde eu estava. Contei o que tinha acontecido, e Ryan deu alguns tapinhas em minhas costas, orgulhoso. Max me deu uma pequena bronca, mas percebi que era com carinho, pois ele ficara preocupado comigo. Mas depois sorriu e me deu os parabéns por ter conseguido me controlar e pensar rápido.
Depois de conversar um pouco, decidimos que estava na hora de ir até a caverna de Morlogol e conseguir o chifre. Fiquei triste quando soube que Ryan não nos ajudaria, mas ele me abraçou e disse:
- Voltaremos a nos ver, Safíra, e não vai demorar. Além disso, você está preparada. Não precisa da minha ajuda.
- Você acha que consigo vencer sozinha? – indaguei, duvidosa.
- Eu não disse isso. Falei que não precisará mais da minha ajuda. Já fiz minha parte: te preparei para o que vai enfrentar. Agora você seguirá em frente, mas não estará sozinha. Não se esqueça, você também tem Max. Ele pode ajudar bastante.
Meu cachorrinho me lambeu, concordando. Fiz carinho nele, e ele rolou no chão, feliz ao sentir meu toque. No início, isso me deixou um pouco aturdida, pois para mim era fácil esquecer que, apesar de ser uma criatura mágica dotada de grande sabedoria, Max ainda era um filhote de cachorro. Mas depois ri e comecei a fazer cócegas em sua barriga, o que o deixou ainda mais alegre. Ele mordeu de leve meu braço, como que retribuindo meu carinho, e passei a mão pela cabecinha dele.
Ryan observava a tudo sorrindo, um sorriso que parecia ao mesmo tempo feliz e triste. Feliz ao ver nós dois nos divertindo, mas triste ao se lembrar da família que ele um dia tivera. Ele me contara uma vez sobre como perdera os pais e o irmão mais velho quando tinha 12 anos. Isso envolvia um desmoronamento, um feiticeiro malvado e um ato de coragem.
Ryan brincou um pouco com Max e, depois de se despedir de nós, desapareceu em uma nuvem de fumaça.
Agora era só eu e Max contra um feiticeiro de magia negra. Pelo menos era o que eu pensava.
°°°
Respirei fundo e fiz um sinal para Max, dizendo que não havia nenhum guarda. Estávamos dentro da caverna de Morlogol, e já havíamos matado vários guardas e escondido seus corpos sem o menor barulho, para não chamar a atenção.
Eu estava invisível, mas Max tinha um instinto que o permitia me ver, e assim saber o que eu fazia e para onde eu estava indo. Virei um corredor e vi um grupo de guardas, então voltei e avisei Max.
- Vá na frente, Safí. Ache Morlogol e pegue o chifre. Eu cuido desses guardas e depois te alcanço.
Hesitei, pois não queria deixa-lo sozinho, mas, depois de algum esforço, ele conseguiu me convencer, e passei silenciosamente pelos guardas. Continuei andando, procurando a sala onde ficava meu inimigo. Passei por várias portas, e as poucas que tive coragem de abrir me deixaram aterrorizada. Dentro delas vi monstros que o mundo mágico nunca sonharia existirem, que só poderiam aparecer nos piores pesadelos. Apesar disso, consegui me acalmar e segui em frente, e de algum modo eu sabia que estava quase chegando à sala que procurava.
Não precisei do meu instinto para saber que encontrara o lugar em que Morlogol estava. Vi seis guardas cuidando da entrada, mas não entendi por que estavam ali. Só a imensa onda de magia negra que vinha da sala já manteria qualquer ser longe daquele lugar pelo resto da vida.
Escolhi lançar um raio paralisante nos monstros. Eles realmente pareciam estátuas, e só se mexiam se viam algum intruso. Com esse feitiço, apesar de eu estar invisível, eles não me impediriam de entrar na sala, mas ainda pareceria que guardavam a sala como se nada tivesse acontecido, e ninguém daria o alarme.
Silenciosamente, entrei na sala. Nem tive tempo de olhar em volta, pois de repente toda a força pareceu deixar meu corpo, e cai sentada. Parecia que algo sugava minha energia, e logo percebi que era o poder negro de Morlogol. Ele estava sentado em uma espécie de trono negro, seus olhos com um tom mais escuro do que os de Jú, e usava uma capa cor de sangue. Não pude deixar de notar que uma de suas pernas era falsa, resultado da luta contra Forthern. Ele era alto e, apesar dos cabelos grisalhos e das rugas, eu sabia que ele era mais forte do que qualquer coisa que eu jamais conhecera.
Com muito esforço, me levantei e me aproximei dele. Ele olhava para algum lugar atrás de mim, e parecia perdido em pensamentos.
Eu estava a poucos metros do feiticeiro quando ouvi sua voz áspera, que me deu arrepios:
- O que faz em minha caverna?
A pergunta me pegou de surpresa. Virei-me em direção a entrada, para ver se ele falava com alguém atrás de mim, mas não havia ninguém. Só a porta. Eu sabia que ele era velho e meio louco, mas achava que não a ponto de falar com uma porta.
- Não, estou com falando com você mesmo, feiticeira – Morlogol disse.
Então olhei para frente e vi que ele me encarava, e encontrei seu olhar. Péssima ideia. Senti um tremor percorrer meu corpo, e me perdi na escuridão do olhar dele. Lembrei-me de tudo de ruim que sentira desde que meus amigos descobriram o que eu era. Decepção por saber que eu revelara aos humanos a existência de feiticeiros; fracasso depois da luta com a quimera; a sensação de ser subestimada quando meus amigos disseram que eu não conseguiria derrotar Forthern; inferioridade diante da esperteza de Jú e dos poderes dela e de Sam; idiotice ao ver que pensava que os dois estavam tão confusos quanto eu em relação a seus poderes; e abandono ao saber que agora era só eu e Max na busca. Tudo isso veio em minha mente ao mesmo tempo, e me senti ainda mais fraca. Senti meus joelhos encostando-se no chão, e devo dizer que naquele momento me sentia a pessoa mais odiada do mundo, e Morlogol ainda incentivava isso, falando em minha cabeça.
De repente, senti um monstro em chamas passar correndo atrás de mim. Não entendi por que, mas meu coração deu um salto, como se algo naquele monstro me fosse familiar, e uma sensação boa me invadiu, protegendo-me daqueles sentimentos ruins. Bloqueei a voz do feiticeiro e então veio em minha mente todas as boas sensações que sentira desde o início. Alívio por não ter mais que esconder minha identidade de Jú e Sam e por eles entenderem o porquê de eu ter escondido que eu era feiticeira; diversão quando eu e Jú ficamos irritando Sam para liberar sua força; alegria ao descobrir que eu tinha amigos com poderes; sensação de vitória ao me mostrar digna de receber as garras de dragão; e felicidade ao reencontrar Ryan. Ignorei o pensamento de que eu tivera mais sensações ruins do que boas em relação a meus amigos. Sentia-me mais forte, e novamente me levantei, ainda encarando Morlogol nos olhos. A voz de minha mãe veio em minha mente.
Basta você ter amor e felicidade no coração que as trevas se enfraquecem. Nunca desista, filha. Lute com a mente e o coração.
Foi o que fiz. Fixei minha cabeça em pensamentos bons e, passados quinze segundos, Morlogol desviou o olhar. Dei um meio-sorriso, vitoriosa, e respondi a pergunta que ele me fizera assim que eu havia entrado na sala.
- Vim aqui porque o segredo dos feiticeiros está em perigo. Muitos humanos descobriram a nossa existência, e estou em uma busca para conseguir os ingredientes de uma poção do esquecimento. Estou quase no fim, e o último é um chifre de minotauro, e soube que você tem um. Será que poderia me dá-lo? Assim nosso segredo estaria salvo.
Ele pareceu pensar, seu olhar voltado para o chão, e vi que ele evitava me olhar nos olhos. Caramba, imagina se o pessoal da Magia High School soubesse que o mais forte feiticeiro de magia negra evitava meu olhar? Pensar nisso me deu arrepios.
- Se acha que vou te dar o meu objeto mais precioso simplesmente para consertar a besteira de uma adolescente - não fiquei surpresa por ele saber como o segredo fora revelado -, está muito enganada. Mesmo que isso revele ao mundo nossa existência, não me importo.
Quando ele terminou de falar, cerrei as mãos em punho, mas consegui me controlar. Morlogol se fortalecia com a raiva, por isso eu tinha que continuar negociando. Nesse momento, tive uma ideia. Era arriscado, mas eu tinha que tentar.
- E se eu lhe propuser um desafio?
Isso pareceu chamar a atenção dele, e o feiticeiro ergueu um pouco o olhar, de modo que olhasse para o alto da minha cabeça, ainda sem olhar em meus olhos.
- Fale mais – ele disse.
- Uma luta. Se eu ganhar, você terá que me dar seu chifre de minotauro, e me deixar partir, junto de meus amigos.
Não sei por que falei meus amigos, e não meu amigo. Foi automático - o que queria dizer que eu ainda não me acostumara com a ausência de Jú e Sam -, mas ainda assim não voltaria atrás.
- E se eu ganhar, você me dará todo o seu poder e será minha prisioneira para o resto da vida, junto com quem estiver com você.
-Não! – falei sem pensar. – Somente eu. Não envolva ninguém nisso. Você não precisa dos outros – de novo o plural. O que acontecia comigo?! – Não são feiticeiros. Somente eu sou.
Ele cerrou os olhos, mas depois assentiu.
- Ótimo. Só preciso de seu poder mesmo.
Concordei, satisfeita. Não queria que ninguém ficasse em perigo por minha causa. Pelo menos não mais do que o suficiente.
- Então? Aceita o desafio? – indaguei.
Ele pensou por um instante, me depois respondeu:
- Sim, aceito.
Comemorei internamente. Ele se levantou de seu trono negro e deu passos em minha direção. Continuei parada, apesar de meu instinto me dizer para recuar.
- A luta começa... – ele começou.
- Agora! – completei, e atacamos no mesmo segundo, nós dois com a varinha.
Inicialmente, meu raio azul vacilou um pouco em relação ao negro de Morlogol, mas depois consegui recuperar. Não sei quanto tempo ficamos nisso, e comecei a me cansar. Não deixei transparecer, e coloquei mais poder, o que fez o raio do feiticeiro recuar um pouco. Ao perceber isso, ele pareceu tomar uma decisão. Estalou os dedos e um grande grupo de guardas entrou da sala.
- Ei! – reclamei. – A luta é entre nós dois. Não coloque seus guardas nisso.
Nesse momento, ele me olhou nos olhos.
- Você não disse que era uma luta apenas entre nós dois.
Fuzilei-o com o olhar, e os guardas começaram a andar em nossa direção. Um deles atirou um dardo, que acertou minhas costas. Uma forte dor me invadiu, e meu raio recuou quase um quarto da linha. Senti sangue escorrer pelas minhas costas, e com a outra mão lancei uma pequena bola de poder no monstro, acertando-o em cheio e o derrubando. Mas logo um de seus companheiros tomou seu lugar, e outro dardo atingiu meu ombro, o que fez meu raio quase sumir.
De repente, os pêlos de minha nuca se eriçaram, e meu instinto me disse que o que vinha em seguida era uma espada. Eu sabia que se fosse atingida nas costas por ela, morreria. Por isso, pensei e agi rápido. Enquanto interrompia meu minúsculo raio, girei para o lado e o ataque de Morlogol atingiu a espada e o monstro, transformando-os em pó. Mas o giro fez minhas costas latejarem, e derrubei a varinha de tanta dor.
Nesse momento, ouvi um rugido, e quase pude sentir a sala tremer. Vinha do lado de fora, e olhei desesperada para Morlogol, para ver se o monstro que dera aquele rugido era dele. Mas ao ver que ele parecia tão assustado quanto eu, fiquei confusa. Aproveitando a deixa, um monstro ergueu uma lança sobre minha cabeça, mas consegui acertá-lo na barriga, e desviei quando a arma caiu no chão. Peguei minha varinha e, guardando-a no bolso, comecei a lançar feitiços com as mãos, que para mim haviam se tornado muito mais fáceis. Derrubei vários monstros, mas eles pareciam não acabar. Morlogol se recuperou do susto e também começou a atirar feitiços em minha direção, os quais eu tentei desviar. Mas às vezes algum me acertava, e me derrubava no chão, o que dava tempo para os monstros se aproximarem ainda mais de mim. Fui recuando até encostar-me à parede. Morlogol sorriu triunfante, e os guardas estavam a poucos passos de mim. Eram lentos, mas assustadores.
- Você sobreviveu por mais tempo do que eu esperava, feiticeira – falou meu inimigo. – Mas sou mais forte, e eu sabia que mais cedo ou mais tarde você se cansaria, ou não conseguiria mais fugir. Está fraca e cansada, e não pode mais resistir. Renda-se, e facilite as coisas para você. Senão a matarei, e depois retirarei todo o seu poder.
Minhas costas doíam com as feridas fundas feitas pelos dardos, meu rosto estava todo arranhado, um corte em minha testa não parava de sangrar, eu não me aguentava mais em pé e todos os meus ossos doíam. Se eu me redesse, pelo menos tudo acabaria mais rápido. Pensei nessa hipótese por dois segundos, mas logo a esqueci. Eu preferia morrer, sabendo que lutei em um combate até o fim, para consertar um erro que eu cometera. Por Max, Jú e Sam, onde quer que estivessem, eu lutaria, e não me renderia nunca. Se havia algo que eu aprendera era lutar sempre, desistir jamais.
Acho que Morlogol viu tudo isso no meu olhar, e sua expressão se endureceu.
- Se quer da pior maneira, problema seu – e bradou – Que todos vejam o que eu faço com os que me desafiam!
Ergui meu braço, e um escudo fraco me cercou. Eu sabia que não funcionaria, mas não custava tentar.
Morlogol apontou a varinha para mim, e eu sabia que o ataque dele chegaria antes do dos monstros. Ele abriu a boca para dizer o feitiço quando algo o acertou. Os guardas se assustaram e pararam de avançar em minha direção, virando-se para a porta, de onde viera o ataque. Tentei enxergar quem era, mas estava cansada demais e minha visão estava turva. Então olhei para Morlogol, que estava caído no chão, e vi o que o havia acertado. Na hora, compreendi quem estava na porta, quem me salvara da morte. Notei pelo canto do olho que, em menos de dois minutos, todos os monstros estavam caídos no chão, derrotados, e alguém se aproximava de mim. Naquele momento, consegui ver quem era.
Apesar do meu cansaço, consegui sorrir.
Eram Jú e Sam.
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Gostaram? A história está quase no fim, e espero que estejam curtindo. Até logo! Bjs, Carol ;)
c já comeu carne de coelho? podíamos pedir para a vó angela fazer um dia!!! já pensou q legal? rsrsrs
ResponderExcluirnossa, esse ficou muito bom! to muito curioso pelo final!!!
ResponderExcluirIa ser bem legal, kkkk, vamos pedir entao ˆˆ
ResponderExcluirBrigada, vou postar logo logo o final =]